A muxinga* come nas escolas, universidades, repartições públicas, empresas e onde quer que haja negros, mulatos, crioulos, bantos, quimbundos, nagôs, iorubás. Já deixaram o banzo* nos navios negreiros, senzalas, quilombos e hoje buscam espaço nesse Estado que era pra ser de todos. Brasileiros. “Você não poderia cortar, alisar ou dar um jeito nesse cabelo? Sabe, pra ficar com uma aparência melhorzinha.”, pede com cortesia a sinhá e o sinhô do século XXI. Preocupam-se com a imagem de suas Casas Grandes. São depois taxados de racistas esses sinhôs, imaginem só se não são umas pobres vítimas do “politicamente correto”, eles, tão acostumados ao politicamente torpe.
Tranças, dreadlocks, blackpower, bantu/knots ou coquinhos, longos ou altos crespos emaranhados. Sarara crioulo. Com tanga ainda pitam diamba* em cachimbo, passam de mão em mão. E vá muxinga* dos meganha. E vá muxinga* dos meganha.
Carimbados com estigmas quando da dança do carimbó. Maxixe, samba, lundu, maracatu, batuques, capoeiragens. Não ligam pra muxinga* não, limpam os curativos e seguem o batuque. Povo cuamba* que é. Chamam de macacos, macumbeiros, preto batuqueiro. Sofrem a muxinga* e essa sempre arde no lombo, limpam os curativos, seguem o batuque, pegam a espada e veneram os orixás.
É festa, é fevereiro, é bunda. Batem no caxambú*, no atabaque*, no diembé*, chacoalham afoxés*, ganzás*, caxixis*, soam os agogôs*. As cidades brasileiras batucam atrás na avenida, vestem o abadá*. É fevereiro, é festa, é bunda. Salve o samba, salve zumbi, salve o maracatu. Depois de acabado o maior show da terra, juntam-se os malungos*, voltam pros seus mocambos* lá nos cafundó, o palmo de terra que lhes pertence. Gente cuamba* que são.
“Minha filha, você não pode mesmo dar um jeito nesse cabelo?”. Ah, vá pra tonga da mironga do kabuletê.
*Abaixo o significado das palavras africanas que, mesmo usadas no português, não são muito conhecidas:
Muxinga – açoite
Banzo – nostalgia que os negros escravos sentiam em relação à África
Diamba – maconha
Cuamba – forte, valente
Caxambú, atabaque, diembé – tipos de tambores
Afoxé, ganzás, caxixis – tipos de chocalho
Agogô – instrumento formado por um ou mais sinos
Malungos – companheiro, pessoa na mesma condição
Mocambos – cabana, habitação precária ou artesanal